domingo, 11 de maio de 2008

Burguês Yamauchi é o mais rico do Japão


Hiroshi Yamauchi, 80 anos, agora é o homem mais rico do Japão. O motivo principal não poderia ser outro senão as vendas do Wii, graças ao pequeno console branco o patrimônio do presidente do conselho da Nintendo subiu de US$ 3 bilhões para um total de US$ 7,8 bilhões.

Casado e com um filho, o mestre Yamauchi de expressão marcante e inconfundível para os fãs foi nomeado o mais rico do Japão em um ranking anual oficial apresentado pela revista americana Forbes. Na segunda posição do ranking ficou o magnata Akira Mori, 71 anos, com um total apontado de US$ 7,7 bilhões. Em terceiro lugar - posição antes ocupada por Yamauchi - entrou Kunio Busujima, 83 anos, com US$ 5,4 bilhões de acordo com a Forbes. (Nintendo World - http://nintendoworld.uol.com.br/content.php?id=190)



Nosso amigo, até há pouco capitalisticamente arrogante, assume subitamente a atitude modesta de seu próprio trabalhador. Não trabalhou ele mesmo? Não executou o trabalho de vigilância e superintendência sobre o fiandeiro? Não cria valor também esse seu trabalho? Mas seu próprio capataz e seu gerente encolhem os ombros. Entrementes, já recobrou com um sorriso alegre sua fisionomia anterior. Ele troçou de nós com toda essa ladainha. Não daria um centavo por ela. Ele deixa esses e semelhantes subterfúgios e petas vazias aos professores da Economia Política, expressamente pagos para isso. Ele mesmo é um homem prático que nem sempre pensa no que diz fora do negócio, mas sempre sabe o que faz dentro dele. (...)

O valor de uso da força de trabalho, o próprio trabalho, pertence tão pouco ao seu vendedor quanto o valor de uso do óleo vendido ao comerciante que o vendeu. O possuidor de dinheiro pagou o valor de um dia da força de trabalho; pertence-lhe, portanto, a utilização dela durante o dia, o trabalho de uma jornada. A circunstância de que a manutenção diária da força de trabalho só custa meia jornada de trabalho, apesar de a força de trabalho poder operar, trabalhar um dia inteiro, e por isso, o valor que sua utilização cria durante um dia é o dobro de seu próprio valor de um dia, é grande sorte para o comprador, mas, de modo algum, uma injustiça contra o vendedor. Nosso capitalista previu o caso que o faz sorrir. O trabalhador encontra, por isso, na oficina, os meios de produção necessários não para um processo de trabalho de 6 horas, mas de 12”. (MARX, Karl. O Capital, cap. V)



O processo capitalista de produção baseia-se, em aparência, na troca de mercadoria por mercadoria de igual valor, e a troca de equivalentes é fato objetivo. O capitalista, possuidor da mercadoria dinheiro, compra a mercadoria força de trabalho do operário por seu valor justo, o salário. Trata-se de contrato jurídico firmado entre possuidores iguais e livres de mercadorias em que
tudo que acontece é o melhor que pode acontecer no melhor dos mundos possíveis”. Deste modo, “a esfera da circulação ou do intercâmbio de mercadorias, dentro de cujos limites se movimentam compra e venda de força de trabalho, era de fato um verdadeiro éden dos direitos naturais do homem. O que aqui reina é unicamente Liberdade, Igualdade, Propriedade e Bentham”. Entretanto, esta troca livre tem como surpreendente resultado a transformação de parasitas sociais improdutivos em bilionários com um sorriso no rosto, ao mesmo tempo que condena o trabalhador produtivo à fadiga, à miséria. No decurso do estudo sobre o processo de produção capitalista, Marx nos revela que não só o operário, em expressiva parte de sua jornada de trabalho, está produzindo gratuitamente para seu capitalista, ou seja, produzindo mais-valia, como o capital que este adianta para comprar sua força de trabalho na forma de salário é, na verdade, trabalho excedente apropriado privadamente, de forma que o operário recebe por seu trabalho o produto de seu próprio trabalho. A condição para a apropriação privada do trabalho social é, na História, a separação violenta do trabalhador de seus meios de produção – a terra, o ofício, as corporações. O capitalista não passa de um expropriador. Os US$ 8 bilhões de Hiroshi Yamauchi não são nada além de trabalho alheio apropriado por um parasita que, no processo, impede o desenvolvimento pleno das condições de produção sociais. Seu modo de produzir o “revolucionário” Wii não só impede que a maioria da humanidade desfrute deste como impede que se vá, historicamente, além dele. Vejamos o sorriso e “expressão marcante” do larápio expropriador Yamauchi quando soar a hora final da propriedade capitalista, quando finalmente a classe operária, restituindo o produto social a quem o pertence, levar a cabo a expropriação dos expropriadores.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Nintendismo ou Barbárie!

A consciência abstrata que se tem do mundo burguês tende, de forma imediata, a naturalizá-lo; o modo de produção capitalista é tido, neste sentido, como meta-histórico, ou melhor (na análise dos quadros da burguesia como os economistas políticos clássicos ou o sociólogo Max Weber), como produto do fim da História, quando já se teria atingido a racionalização total da organização da vida. Mas uma descrição minuciosa e crítica (e crítica em virtude de ser descrição objetiva, segundo aponta seu autor) como a realizada por Marx em sua obra demonstra que o capitalismo, de modo algum, é absoluto como o tomam os economistas burgueses e todos aqueles mergulhados na consciência por ele determinada. Pelo contrário, é necessário demonstrar seu caráter especificamente social; é preciso historicizá-lo. E mostrar o caráter histórico e não natural do modo de produção capitalista significa não só demonstrar sua gênese e suas particularidades, mas também apontar seu devir (e é este o sentido da obra do revolucionário alemão, particularmente da síntese atingida em O Capital). Detenhamo-nos, portanto, em alguns aspectos do desenvolvimento necessário das contradições postas pela análise marxista-nintendista.


A riqueza das sociedades capitalistas aparece como uma imensa acumulação de mercadorias, como coloca Marx já no começo de O Capital. A questão da aparência é fundamental. Não se trata de dizer que a forma sob a qual os produtos sociais circulam seja falsa, mas sim que esta é a forma imediata com que o modo de produção se apresenta às consciências individuais (e não à toa esta é a razão por que é daí que seu estudo parte). A mercadoria, evidentemente, não é, aqui, estática; apresenta contradições que se desenvolvem a olhos vistos quando a consciência sobre o processo social de produção se determina. Ela pressupõe a propriedade privada: trabalho social só se relaciona com outro sob a forma de valor, isto é, as relações entre produtores só aparecem como relações entre coisas porque o processo se baseia na propriedade privada dos meios de produção; assim, o produto de um processo produtivo que a burguesia tornou social é apropriado privadamente. O modo de produção capitalista, deste modo, não é somente processo de produção de valor-de-uso, de produção da vida, mas, em essência, é processo de produção de mais-valia. Marx ironiza: o produto, de propriedade do capitalista, é um valor-de-uso, fios, calçados etc. Mas, embora calçados sejam úteis à marcha da sociedade e nosso capitalista seja um decidido progressista, não fabrica sapatos por paixão aos sapatos. Na produção de mercadorias, nosso capitalista não é movido por puro amor aos valores-de-uso. Produz valores-de-uso apenas por serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca. E só lhe interessam os valores-de-troca na medida que sua produção proporcione larga fatia de mais-valia, ou seja, que as mercadorias produzidas contenham mais valor, mais trabalho vivo incorporado, do que o que pagou para dispor da força de trabalho de seus operários e nos meios de produção envolvidos. Em sua sede por lucro, o capitalista, este mero agente do processo de valorização do valor, explora à exaustão a força de trabalho da qual dispõe em totalidade, uma vez que pagou por ela seu valor, o salário, mediante contrato, e os únicos limites a esta exploração são os do esgotamento completo do trabalhador e aqueles impostos pelas leis de regulamentação da jornada de trabalho, provenientes da necessidade de garantir a igual exploração pelos diversos capitalistas e das históricas lutas da classe operária por sua sobrevivência. A avidez por mais-valia do capital consome gerações e gerações de operários, torna-os física e intelectualmente miseráveis, embrutece-os, tudo em nome de uma classe de gordos abastados; é difícil conceber que os princípios surgidos com os altivos homens da Grécia Antiga, onde surge historicamente a propriedade privada, terminariam por, nas palavras de Marx, transformar alguns arrivistas grosseiros ou semicultos em grandes fabricantes de salsichas e influentes comerciantes de graxa. Uma vez que a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social exaurindo as fontes originais de toda a riqueza – a terra e o trabalhador, o capitalismo representa o empobrecimento de toda a humanidade.

Pela maior fatia da mais-valia no processo social competem os diversos capitalistas individuais; a competição entre os capitais privados determina uma necessidade de produzir mercadorias cada vez mais baratas, isto é, com cada vez menos trabalho cristalizado. Este impulso imanente se realiza quando as contínuas necessidades de reestruturação produtiva (como reconfiguração da forma de trabalho e como incremento tecnológico na linha de produção), essência da burguesia – a burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, portanto as relações sociais todas, como já colocava o Manifesto –, permitem igual produção em menos tempo, o que significa, para manter a taxa de mais-valia (que nada mais é do que trabalho excedente apropriado), necessidade de demissão de operários que se tornam supérfluos no processo geral da fábrica. Para manter seus lucros, a burguesia necessita de destruir a fonte deles, o que configura uma tendência permanente à sua crise geral, também a crise social das classes produtivas. Com o impulso que move a classe capitalista não sendo a produção racional da vida humana mas seu interesse pessoal, e movida pelas necessidades irracionais engendradas pela arbitrariedade da divisão social do trabalho representada pela mercadoria, produz-se o caos da irracionalidade urbana, o desemprego em massa, a exploração total do trabalhador produtivo, a destruição progressiva da natureza, questões que se colocam com urgência ao anunciar um futuro de barbárie completa não reservado aos homens. Aqui, o que restar de seres humanos terá diante de si o regresso total das forças produtivas, e viverá tal como viviam os homens nas cavernas. Riscará as paredes destas, bruto. Brincaremos com gravetos e pedras. É esta a tendência geral deste modo de produção – o colapso: colapso de si próprio e colapso da própria humanidade.


A burguesia foi, no entanto, inegavelmente revolucionária. O programa político que esboçou e que colocou de forma violenta para destruir a velha ordem, seja, por exemplo, pela ditadura revolucionária de Oliver Cromwell no século XVII inglês, seja pelo Terror jacobino nos fins do XVIII na França, é, na verdade, expressão do progresso histórico que realizou na forma de produzir a vida. O que a mercadoria tem de revolucionário e progressista? A mercadoria, no momento em que se generaliza, isto é, somente no capitalismo, é a negação da produção do artesão, do indivíduo isolado. Sua racionalidade produtiva superior, aonde quer que chegue em nível global, arranca o pequeno produtor em modos de produção anteriores de seu isolamento, e os coloca na rota da História Universal. Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que a burguesia deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro; é a burguesia que possibilita, pois, o estabelecimento de uma civilização mundial, e a possibilidade material – e não só ideal, como na Declaração que escreve durante a Grande Revolução de 1789 – de realizar a igualdade existente em potência entre todos os homens. O novo modo de produção, o moderno modo de produção, o qual ela engendra, é a socialização e organização superior do trabalho; é, em princípio, embora esta surja empiricamente logo em seguida, a indústria. A indústria agrega (não sem, claro, fazê-lo de forma violenta, como expropriação) os homens sob regime de cooperação dentro da fábrica, visando à produção em série, em massa, de forma racional, em oposição ao camponês que, no mundo feudal, lutava para produzir na terra, com recursos escassos e com o trabalho de sua família, sua subsistência e o produto excedente apropriado pelo proprietário dela, do mesmo modo que seu equivalente urbano, o artesão que realiza o mesmo limitado processo produtivo com suas ferramentas. Camponês expropriado, alfaiate, sapateiro, tecelão etc, homens livres, libertos de qualquer laço com a terra, com a hierarquia, com a comunidade, tendo como propriedade apenas a si próprios, sua força de trabalho a vender no mercado, são reunidos, agrupados sob o controle do capital, e, deste modo, submetidos a uma organização superior do trabalho.

Como princípio, a indústria que surge capitalista é uma conquista humana. E as conquistas da burguesia são as conquistas da humanidade na medida que destroem as ordens anteriores à capitalista e impõem o trabalho social e libertam o homem dos laços que o prendiam. Rompendo as barreiras dos ofícios e das nações (Marx cita um trabalhador francês do ofício da tipografia que, após ter trabalhado, na Califórnia, como mineiro, telhador, tipógrafo e metalúrgico, vê a possibilidade de desempenhar qualquer espécie de trabalho, e, no mundo dos aventureiros que trocam de profissão mais facilmente do que de camisas, sente-se menos molusco e mais homem; a América é, neste sentido, o homem totalmente livre), arrancando o homem da vida embrutecedora do campo e o levando à cidade, onde pode se realizar como sujeito coletivo, o progresso histórico da burguesia foi produzir a moderna e internacional classe operária, que carrega em si o futuro, isto é, a indústria, a cooperação produtiva, o internacionalismo, enfim, a libertação do homem.

A indústria produziu entretenimento para a vida, seus modernos recursos permitiram que viessem à tona os videogames: o homem pode, agora, exercer suas potencialidades criativas e intelectuais em sofisticados aparelhos como o SNES, N64, Nintendo Wii e Playstation 2. Não só tais recursos produziram a tecnologia do entretenimento, como permitem que se a produza em massa. Potencialmente, podemos produzir videogames para toda a humanidade. Esse progresso, evidentemente, tem limites; e estes limites são os da propriedade privada. A socialização do trabalho esbarra no fato de que os corpos produtivos, os trabalhadores coletivos, são controlados e organizados pelos capitais privados. Embora este controle sobre a produção social seja muito mais amplo do que os anteriores, o mundo burguês criou forças produtivas muito superiores a tal limite, e os crescentes progressos técnicos colocam a necessidade de aumentar a cooperação social entre os produtores. A tendência já citada de que o capital, a cada avanço técnico que diminui o tempo de produção, ou seja, liberta o homem de horas de trabalhado, precisa demitir seus trabalhadores – destruir força produtiva humana –, é a expressão mais clara dessa contradição. O homem não pode desfrutar dos avanços que criou, e aqui pensamos claramente nos videogames, porque ou é exaurido na fábrica de um capitalista ou morre de fome nas ruas, sem emprego, força produtiva desperdiçada. A propriedade privada já não comporta a socialização e racionalização total do trabalho às quais a História a empurra. A História, exige, portanto, sua supressão. Ela quer o controle total da produção nas mãos da universal classe operária. Ela quer a transformação da sociedade inteira em fábrica, levar a todos os setores da vida o princípio racional da cooperação que existe na linha de montagem e que a burguesia não pôde terminar de generalizar. O homem livre para usufruir de progressos que a ciência, solta das amarras do capital, poderá levar muito além do que oferece no presente. O PeopleStation, videogame produzido pelas massas e para as massas, é o futuro radiante que espera a humanidade sob a direção da classe operária, não mais classe, mas confundida com o próprio homem.


É uma tendência comum à esquerda vulgar e à burguesia pensar a naturalidade e a permanência das relações capitalistas de produção, e a superação da análise científica do marxismo quando este decreta a inevitabilidade da revolução proletária. Neste sentido, falam de fim da classe operária, posto que o capital teria chegado a um momento em que se reproduz sem a necessidade do trabalhado vivo; falam de abstratos movimentos sociais, que substituiriam a práxis transformadora do proletariado nas lutas idealistas por reformas utópicas; falam de neoliberalismo, como se fosse uma opção da burguesia o desmonte de um Estado que se bate, por meio da força, por sua dominação em crise aguda. Enfim, o pensamento vulgar não só não vislumbra a superação dialética da luta de classes (por não vislumbrar, aliás, a própria luta de classes) como não enxerga o desenvolvimento das contradições em direção à barbárie. Tudo cheira a inquietante permanência; a dominação do capital, estática, estende-se ao infinito. Esperando transformações utópicas, que por isso mesmo não virão, o pensamento vulgar conforma-se em pensar que a mudança real é que, passados os anos, estará jogando um Playstation 8. Mas este futuro é, de fato, utópico. O movimento contraditório do capital não comporta este desenvolvimento ao infinito. Neste momento da História, assomam, diante do homem, dois futuros: a sociedade socialista ou a barbárie. Ou o triunfo libertador da classe operária ou a vitória da burguesia, derrota do proletariado, derrota definitiva do homem. O fim do que Marx caracterizou como Pré-História da humanidade ou um retorno à pré-História anterior. Jamais jogaremos Playstation 8. Ou o futuro socialista nos reserva o PeopleStation ou, nas cavernas de um futuro de volta à barbárie, brincaremos com gravetos e pedras.