terça-feira, 23 de outubro de 2007

Nintendo e Revolução


Pensar que a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico ainda podem se converter em bem-estar material para o ser humano é, no mínimo, um anacronismo. Esta mentalidade pode se referir a um momento na História em que a acumulação capitalista minimamente acarretava algum progresso para a sociedade. Mas as forças produtivas da humanidade não crescem mais. O capitalismo só se reproduz às custas da destruição da humanidade; e a crise do sistema de produção também é a própria crise de toda a superestrutura necessária para mantê-la e de tudo o que ela produziu - e aqui me refiro à morte da própria cultura burguesa.O exemplo da pesquisa para o desenvolvimento de games é extremamente representativo. Pensemos um PS3, a última novidade dos baluartes do capital internacional e signo da suposta bem-aventurança da sociedade burguesa. Ora, quem os produz? Toda a indústria dos países capitalistas maduros (o Japão, no caso da Sony) baseia sua produção nos países de desenvolvimento atrasado, onde o menor desenvolvimento das forças produtivas e o estágio primário das lutas operárias permite uma maior taxa de extração de mais-valia - China, Singapura e Taiwan, por exemplo. Por centavos a hora, trabalhadores asiáticos em condição semi-escrava semelhante à dos ingleses do século XIX produzem os videogames que serão consumidos no mundo capitalista desenvolvido. E toda a pesquisa no setor dos games e da alta tecnologia produtiva vai no sentido de aumentar o valor destas mercadorias e de aumentar o valor acumulado das máquinas que as produzem. Isso significa menos horas de trabalho social necessárias para a produção, e, conseqüentemente, na divisão social capitalista do trabalho, demissão dos operários cujo trabalho torna-se desnecessário e o aumento da exploração dos que ficam.

Todos os avanços tecnológicos, deste modo, significam apenas o aumento da exploração da classe trabalhadora e, principalmente, o engrossamento da enorme massa de desempregados condenados à completa barbárie em que se afunda o mundo burguês: o caos urbano (São Paulo tem 60 km² de favelas), a miséria generalizada, a destruição da natureza (e vale lembrar o que tem significado o desenvolvimento industrial para esta: 2007 será o ano mais quente da História). Tal é o resultado do capitalismo em decomposição. Nas palavras de Marx: quanto mais o mundo das coisas aumenta de valor, mais o mundo dos homens se desvaloriza.Ora, é de se questionar se é possível, de qualquer modo, justificar que o capitalismo se reproduza destruindo o planeta e a humanidade. Quando se considera a cultura em nome da qual se poderia fazê-lo, é ainda mais absurdo. Como defender o capital valendo-se da arte burguesa, da produção cultural burguesa, todas mortas e já enterradas faz tempo? A burguesia já não possui um projeto histórico; não produz mais nada de minimamente progressista, e limita-se a consumir o cadáver de uma cultura datada de seus tempos de abundância; tudo o que faz é uma paródia grotesca do que já fora. Por exemplo, que dramaturgo superou, nas décadas subseqüentes, o que Oswald de Andrade fez em 20 e 30? O que se faz hoje em qualquer campo da cultura é uma piada de mau gosto se comparada às vanguardas do século XX. E não é diferente com os videogames. A cada geração que se sucede, aumenta a paródia. Todos os games caminham no sentido de um realismo ridículo, os poderosos gráficos dos moderníssimos consoles aproximando-se cada vez mais da imitação do mundo sensível, cada vez mais um mero espelho da realidade e cada vez menos um martelo para quebrá-lo. As deficiências do último Winning Eleven não são superadas, e por mais que epitelialmente sua estética se aproxime da de um jogo de futebol, parece cada dia mais distante o momento em que se poderá dizer que o International Superstar Soccer originário foi ultrapassado.

É como comparar o que um Glauber Rocha ou um Godard fizeram na década de 60 com o que o cinema enlatado faz hoje. A arte burguesa morreu, e consumimos seu cadáver. No entanto, no campo da cultura, é possível perceber resquícios de criação que apontam para o futuro. A Nintendo, vanguarda do entretenimento nas décadas anteriores, por exemplo, lança seu Wii (não à toa batizado originalmente de Nintendo Revolution), no qual rompe com a forma-joystick que ela própria elevara à máxima potência, e que, apesar de apresentar as mesmas figuras de suas antigas plataformas (Mario, Donkey Kong, Link - ainda por superar, frise-se), coloca uma perspectiva de retomar a evolução dos videogames que anda a marcha lenta desde a era dos 128 bits. Mais do que um projeto específico de videogame, a Nintendo demonstra que é possível uma nova cultura, uma nova forma de entretenimento. Mas esse projeto é completamente irrealizável dentro dos limites da legalidade burguesa. Como usufruir desses videogames num mundo em que cada vez há menos emprego, e em que os que ainda têm trabalho, são cada vez mais exauridos? Há tempos que esta divisão social do trabalho atravanca o desenvolvimento das forças produtivas. Não é mais possível realizar toda a potencialidade da arte e do entretenimento, uni-los à vida, enquanto o modo de produção capitalista não for superado. Tal é o princípio marxista-nintendista.

2 comentários:

rafael disse...

as eleições já acabaram e vocês ainda estão brincando?

Sakashira disse...

Marxismo-nintendismo é um projeto histórico.