sábado, 24 de novembro de 2007

A luta de classes no Mushroom Kingdom


Alguns camaradas têm expressado dúvidas que revelam incompreensões teóricas, erros teóricos graves. É necessário que sejam esclarecidos, de modo que a total clareza de princípios lhes permita bem exercer o papel de vanguarda e dirigir apropriadamente as consciências não plenamente desenvolvidas.Aparentemente, soa absurdo que Mario, operário, salve a princesa Peach do Mushroom Kingdom, potencial monarca, das garras de Bowser, déspota totalitário e representante real da velha ordem. Mas sua estratégia é traçada por meio da compreensão adequada da análise de Marx a respeito da revolução de 1848 na Alemanha. Ali, o proletariado alemão inexperiente, desorganizado e que ainda não constituía uma força completa na sociedade alemã, era incapaz de dirigir a sociedade recém-industrializada; não havia condições objetivas para que se tornasse a classe dirigente. Mas não poderia tampouco contar com a burguesia alemã, completamente covarde e ainda mais incapaz de defender seu projeto histórico, até mesmo percebendo que o necessário processo revolucionário que o instauraria, envolvendo o povo em armas, poderia (e inevitavelmente iria) muito além do desejado para si como classe dominante. Conta-nos Engels: o ministério da burguesia liberal só dispunha de uma paragem, de onde, segundo o rumo que as circunstâncias tomassem, o país se dirigiria ou para a etapa mais avançada do republicanismo unitário, ou para o velho regime burocrático e clérico-feudal. Deste modo, o próprio proletariado deveria levar a cabo o levante que instauraria as relações burguesas de produção, destruindo de vez as velhas estruturas feudais em uma nova Alemanha unificada e em processo de industrialização.

A este respeito, dizem Marx e Engels na famosa "Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas" de março de 1850: mesmo que os trabalhadores alemães não possam atingir o poder e consolidar os seus interesses de classe, terão a certeza, então, que o primeiro ato do drama revolucionário próximo ocorrerá simultaneamente com a vitória direta de sua própria classe na França, e deverão estar vigilantes para isso. Mas deverão realizar por si mesmos a maior parte de sua vitória final, através de esclarecimentos quanto aos seus próprios interesses, imprimindo impulso ao seu partido independente tão cedo quanto possível, e não permitindo que esta organização independente do proletariado vá ao arrastão das frases hipócritas lançadas pela pequena burguesia democrática. Seu grito de guerra deve invariavelmente ser a revolução permanente. A vitória do proletariado em luta ao lado da burguesia e da pequena burguesia liberais sobre o velho regime (e à frente delas, quando se provam não suficientemente progressistas), na tentativa de impôr instituições liberais-democráticas, seria o primeiro passo em direção ao parto da nova sociedade. É o papel que assume Mario. Mario é o próprio proletariado que pega em armas para destruir o feudalismo reacionário, e que, derrubando os estandartes de Bowser nas sucessivas fases, caminha para a unificação do reino e para a destruição das estruturas feudais que Bowser representa. Não se trata de dar por terminada a revolução ao derrubar o tirano, mas de começar a instituir seu poder, de levar adiante a revolução permanente. E, diferente do triunfo da contra-revolução no processo alemão de 48, no qual o sufrágio universal logo deu lugar a uma monarquia reacionária, Mario consegue, após derrotar Bowser, hastear sua bandeira, da estrela vermelha, símbolo da direção que tomará o processo político no Mushroom Kingdom a partir de então: da monarquia constitucional ao pleno poder dos conselhos operários.

Pouco se sabe sobre as condições da luta de classes no Mushroom Kingdom, de modo que esta estratégia proletária poderia, pensada abstratamente, constituir tanto uma leitura perfeita de Marx quanto, como falsificou Stalin em relação às tarefas da revolução democrática, um etapismo traidor. No entanto, o fato de Mario, ao longo do jogo, acumular moedas que se convertem em vitalidade, parece indicar uma necessidade premente de acumulação de capital no reino, ou seja, que o desenvolvimento das forças produtivas ainda é elementar, e que as condições objetivas para a democracia proletária não estão plenamente desenvolvidas; politicamente, tampouco, esta perspectiva parece estar colocada, visto que o poder do reino permanecia ligado aos privilégios feudais. Tudo indica que a estratégia nintendista foi adequada. Mas esta é uma falsa questão. A forma revolucionária de Super Mario World vai muito além de qualquer conteúdo supostamente reacionário ou etapista.

Veja-se o próprio Mario: não é, como aparenta, um indivíduo isolado, uma criatura iluminada que nega sozinho todos os níveis, e portanto uma subjetivação do processo revolucionário; não se trata de um jacobino-blanquista que, com táticas guerrilheiras, pretenderia repetir o triunfo das dúzias de guerrilheiros de Sierra Maestra, como se o triunfo da revolução mundial fosse possível quando pensado de forma completamente alheia ao movimento real da classe operária. Não, Mario não é a vanguarda armada que luta individualmente, mas ali representa toda a classe, como sua vanguarda consciente. Pode-se dizê-lo porque é também incorreto pensá-lo como um simples encanador e, em geral, como assume em outros jogos, parte de setores da pequena burguesia (carpinteiro, pintor, médico, cozinheiro): Mario, portando apenas macacão e quepe vermelhos e bigodes, típicos do movimento operário italiano, é a classe operária em sua totalidade, sem qualquer traço das divisões profissionais e nacionais que a burguesia faz crer que existam nas diversas categorias como forma de separar a classe. Representa a classe operária não no sentido da democracia burguesa ou no sentido de uma abstração; Mario é a generalidade concreta, a universalidade concreta que, como tal, contém em si todos os particulares concretos e está contido em cada um deles. Mario é proletário e nada mais; superou todas as particularidades para fazer-se universal.

3 comentários:

Fernando disse...

Queria parabenizar as análises feitas nos dois últimos posts, que sem dúvida têm muito a contribuir para a edificação da teoria revolucionária do Marxismo-Nintendismo.
Saudações revolucionárias,
pardal.

Unknown disse...

adorei os projetos em italiano (e cifrado!) e em japonês!!!
lembrei da minha chapa na época da UNESP...
o povo mal comido tb costumava dizer que era tudo "brincadeira"... ai ai ai...

"Nem defeitos, nem qualidades" disse...

Fiquei abismada. Adorei a forma como você puxou o assunto e amarrou tudo direitinho. Ótimo texto.